Carteira assinada, estabilidade de carreira, boa remuneração, benefícios e realização profissional. O emprego dos sonhos pra muita gente. Mas será que precisamos de todos esses itens para sermos felizes naquilo que fazemos?
Trabalhei durante um ano e meio em uma organização tradicional, onde é normal ouvir “emprego estável” como sendo um grande diferencial, quase um benefício fornecido por eles.
É verdade, lá é possível entrar como estagiário e sair aposentado 40 anos depois.
Enquanto trabalhei nessa empresa, eu era justamente isso: um estagiário sonhando com uma carreira estável, tranquila e boa aposentadoria. Claro, sabendo que pra isso eu me sujeitaria a trabalhar com algo que nem sempre me faria feliz e me realizaria.
Então a verdade é que, mesmo depois de quase dois anos, eu mantive essa vontade de ser um trabalhador com carteira assinada e emprego estável.
Não tinha muito o que pensar na hora, eu precisava correr atrás dos meus sonhos
Por ter um bom relacionamento (leia-se amigos) e ter realizado um bom trabalho na empresa, acabei recebendo o convite pra participar de um processo seletivo. Não tinha muito o que pensar nessa hora, eu precisava correr atrás dos meus sonhos. Participei dos processos de recrutamento, testes e entrevistas.
Fui aprovado.
Sim, aprovado. Eu estava de volta.
Agora eu não seria mais um estagiário. Fora a carteira assinada pela primeira vez na vida, eu teria um salário razoável, com ótimos benefícios e um plano de carreira pronto pra mim.
Qual o sentido de estar aqui?
Logo após receber o confirmação do RH, comecei o processo de admissão: exames de saúde, leva documento pra um lado, abre conta no banco, mais alguns documentos. Logo, o primeiro dia de trabalho chegou junto de uma nova rotina diária, novos colegas de trabalho, novos problemas pra resolver.
E, com essa nova rotina, algumas coisas começaram a me chamar a atenção: o quão burocrático uma grande empresa pode ser, o quão impotente você se sente ao notar que a força que você coloca na roda não faz ela girar – não o suficiente – e o quanto isso é frustrante.
Minha rotina de trabalho era monótona e não me desafiava. Parte do dia eu matutava “caramba, eu podia estar resolvendo problemas tão maiores…” e na outra eu pensava “o que que eu tô fazendo da minha vida? Qual o sentido de estar aqui?”.
Eu estava ficando desmotivado e deprimido.
O ambiente de trabalho e a cultura organizacional eram completamente diferentes de quem eu era agora. Estava tudo errado.
O estagiário que ainda existia dentro de mim, de repente, pareceu ter pedido a conta.
“Ah, eu vou lidar bem com isso”. Não, eu não lidei
Mas era ali que eu queria estar, não era? Sim, era.
E por que não estava feliz? Porque não levei em consideração uma série de fatores. O maior deles: o quanto eu estaria disposto e conseguiria esperar.
Não demorou muito, notei que benefícios e (a falsa sensação de) estabilidade na carreira não me fariam mais feliz.
Ainda tentei ser otimista: “Ah, eu vou lidar bem com isso”.
Não, eu não lidei.
Estava com menos tempo pra família, menos descanso, menos tempo pra estudar, pra lazer, e menos tempo pra mim. Tinha mais dinheiro e menos todo o resto que importa.
Conversei com minha chefe e alguns amigos do trabalho. Uma conversa franca e assertiva – não poderia ser de outra forma. Contei sobre minha frustração e todos me aconselharam a ter paciência, “as coisas iriam melhorar com o tempo”. “Estamos em uma empresa tão boa, Renato”. “Nós sabemos que você não tem perfil pra ficar fazendo isso pra sempre, tenha paciência”. “Você vai crescer muito aqui dentro. Espere mais uns dois anos”, diziam.
Dois anos.
Como eu estaria em dois anos se já estava deprimido com meu trabalho em três semanas? Definharia lá dentro. No melhor dos cenários, pensei, entraria numa zona de conforto e me tornaria um profissional acomodado. Esperar seria um luxo e um risco que eu não queria tomar.
Escrevi a carta de demissão no final daquela semana, numa sexta-feira à noite. Escrevi e saí correndo. Fui pra casa aliviado.
Tive o melhor final de semana daquele mês.
Uma carteira assinada sozinha, não faz verão
Eu caí no conto do emprego estável. Aquela história que costumam contar pra gente onde um emprego com carteira assinada, salário dentro da média no mercado, benefícios e um plano de carreira seria não só suficiente para ser feliz no trabalho como um ideal a ser conquistado. O sonho do concurseiro.
Com o país em crise econômica, parece uma decisão no brainer optar por um emprego que se enquadre nesse perfil. Eu mesmo optei por um mas não me realizei, passei longe disso.
Essa busca, essa vontade é apenas mais uma entre tantas que são plantadas em nossas cabeças por nossos pais, amigos e sociedade. A gente segue o mar porque o mar sabe pra onde vai.
Aprendi que por mais que uma ideia seja plantada por outros, a rega é feita por você.
O que é felicidade?
Do meu retorno à minha saída, foram seis semanas de aprendizado sobre quem eu era e não enxergava ser e, a partir disso, seis semanas reconstruindo ideias, visões de vida e parte de quem eu sou. Compreendi o conceito de antifragilidade.
Entendi quem eu era e o que é importante – e essencial – pra mim.
Alguns defendem que felicidade e realização devam ser buscadas de outras formas, fora do âmbito profissional, uma ideia completamente equivocada – e triste – ao meu ver.
Tente não ser esse tipo de pessoa
Pra mim, felicidade está em acordar motivado a dar o meu melhor por fazer algo que me realiza e me preenche. Domingo à noite tem que ser maravilhoso, afinal, logo é segunda.
Sei que você já sonhou com essas coisas em algum momento da sua vida. Todos já sonhamos e não existe mal algum em possuir ou correr atrás de um emprego tradicional, estável e com benefícios. O mal está na falsa necessidade de tê-los ou que somente com isso você será melhor (de alguma forma). O mal está em abdicar da sua realização por coisas assim.
Realização não deve ser creditada a benefícios, carteira assinada e estabilidade de carreira – não deveria ser creditada a nenhum tipo de posse, afinal.
Precisamos acreditar mais em nosso potencial, questionar tudo – inclusive a si mesmo (“qual a origem dos meus sonhos?”) – e não nos esquecermos que esperar a felicidade (“o que é felicidade?”) é um erro.
Aliás, um fato sobre a felicidade: não devemos esperá-la; devemos construí-la.