Criatividade

Fazer trabalho manual é aprender a viver

Na minha família os trabalhos manuais atravessam gerações. Minha avó materna dava aulas de costura e até o fim da vida fez roupinhas para doação, na minha infância metade das minhas roupas foram feitas pela minha vó ou pela minha mãe, que também tem uma habilidade ímpar para qualquer coisa que se dê na mão dela: scrap book, costura, tricô, crochê… Do outro lado, minha avó paterna cuidava do jardim com extremo amor e mantinha um belo roseiral na chácara, o que de alguma forma também foi transmitido ao meu pai que guardou a pintura apenas pros mais chegados na missão de também trazer o sustento familiar. Dos meus avôs vieram as palavras: um escreve apaixonadamente (e me dá tudo pra ler) enquanto o outro tinha a maior biblioteca que eu conhecia na minha infância.

Como a fruta não cai longe do pé, eu virei uma misturinha que ama alinhar mente e coração para criar. Um dia desses, depois de revisar um livro do meu vô que editei para presenteá-lo no aniversário de 80 anos, me lancei a costurar, o que tenho feito com mais frequência desde que entendi a cadeia da moda e me vieram algumas reflexões.

Hoje eu estou bastante imersa no universo empreendedor, tomando a frente de uma empresa familiar que tem crescido e se solidificado graças à uma enorme porção de erros e muita busca de conhecimento em todos os cantos. Ali, pensando na vida, me dei conta de que se tivesse valorizado e olhado esses hobbies com mais atenção talvez não tivesse sofrido tanto no caminho de empreender.

Costurar é parecido com cozinhar: você pode pegar uma receita pronta e seguir, mas à medida que se aprende vai ficando mais fácil de improvisar também. Nesse dia de costura eu ia fazer duas calças: uma larguinha de malha para usar mais informalmente e um calça pantacourt mais alinhada pra usar num almoço comemorativo. Tecidos diferentes. Graus de importância diferentes. Chances de fracasso/sucesso diferentes. Técnicas de costura diferentes. Custo do erro diferente. Deu pra entender que tinham vários fatores bem distintos entre cada uma delas, certo?

Portanto é preciso analisar quando temos chances de improvisar com bons resultados e quando é melhor seguirmos os passos já pré-determinados para evitar uma catástrofe. Ou seja, tudo exatamente como é a vida. No início a gente vai tentando reproduzir o que parece que está dando certo, é assim que aprendemos a falar e a andar, por exemplo, imitando nossas referências. Aos poucos nós vamos trilhando nossos próprios caminhos e entendendo nossas limitações, nossas falhas, que área já dominamos e em quais precisamos de ajuda.

Quantas vezes antes de tomar uma decisão você parou para pesar os prós e contras? Quais as possibilidades de sucesso? Quais erros podiam ser cometidos e como seria possível contorná-los? Muitas vezes agimos com tanta pressa por causa da pressão externa de que nada pode parar nenhum segundo que não mensuramos muito bem o tamanho do risco que podemos assumir e só nos damos conta depois que algum ponto falha. Arrisco dizer ainda que em alguns momentos queremos tão desesperadamente acertar que nem olhamos pro cenário, pois depois de errar tantas vezes o que é mais uma? E aí perdemos a chance de aprender, analisar e escolher com mais sabedoria.

Já ouvi muitas vezes que era preciso errar logo e quantas vezes forem necessárias para chegar no acerto e até concordo em partes. Errar será inevitável, mas quantas pessoas podem se dar ao luxo de errar duas ou três vezes e reconstruir tudo o que tinham? Alguns erros tem um preço muito alto e quando você para por um minutinho para analisar é possível minimizar o impacto ou criar uma estratégia de poupar ao menos um setor da empresa.

Vou voltar para a minha tarde de costura um pouquinho. Para fazer a calça pantacourt eu fiz o molde, cortei precisamente, alinhavei antes de passar na máquina de costura, pedi ajuda pra minha mãe. Deu errado, tive que descosturar todo o zíper porque preguei do lado errado. Fiz tudo com calma e paciência um passo de cada vez, provando várias vezes pra ver como estava ficando, ajustando um pouco aqui e ali. No fim deu tudo certo, a calça ficou ótima e, o mais importante, fiquei orgulhosa e feliz com o meu trabalho.

Para outra, larguinha, de elástico, eu cortei com base numa outra calça de tinha, meio no olho mesmo, passei direto na máquina sem nem colocar os alfinetes direito. E quanto fui provar tinha ficado larga demais, o elástico da cintura estava frouxo. Tirei, ajustei, coloquei o elástico de novo de outro jeito, com outro tipo de costura e, no final, adorei e tenho usado essa calça quase todo final de semana.

O que eu quero passar com isso é que não é para paralisar, não! A ideia é ser estratégico, é assumir riscos de forma calculada e consciente, porque é preciso sim arriscar e tentar dar um passo maior. Precisamos nos conhecer muito bem para saber com clareza em que caso é possível improvisar e ter o resultado final satisfatório, ainda que com alguns percalços pelo caminho. E ao mesmo tempo ter consciência de quando é preciso definir muito bem cada passo que será dado sabendo que mesmo assim tem chances de alguma falha antes chegar num bom resultado.

É preciso ter foco para saber onde você quer chegar qual método é melhor pra você em cada caso. Talvez você precise planejar cada passo de um projeto que é super improvisado por outra pessoa e isso não o torna melhor ou pior, cada pessoa precisa saber quais são as próprias habilidades porque é isso que será importante na sua trajetória e, apesar de ajuda ser sempre bem-vinda, apenas você é capaz de alcançar os seus objetivos.

Se o exemplo da costura não foi tão bom pra você, podemos pensar em cozinhar de novo: uma vez minha tia desandou um bolo com exatamente a mesma receita que eu tinha feito um bolo delicioso, talvez aquela receita não fosse mesmo pra ela. Tem doces que eu vou criando na hora e fazendo pelas minhas próprias medidas e se alguém pedir a receita nem sei como passar. Enquanto salgados eu só consigo fazer seguindo os mínimos detalhes de cada receita, além de que quase sempre que improviso esqueço o sal.

E para vários outros trabalhos manuais podemos pensar em diversas lições. No tricô às vezes você só nota que erro um ponto depois de mais umas quatro linhas e aí só que dá pra fazer é desmanchar até onde está o erro e recomeçar. Essa nem preciso explicar né? Quantas vezes você já teve que parar, voltar e recomeçar? No scrap book tem papeis caríssimos em que um furinho errado dá uma raiva enorme e aí entra a criatividade de usar aquele erro de outra forma, em outro lugar, com outro encaixe. Tem vezes que dá certo, mas outras é mais fácil abraçar o erro mesmo e prestar mais atenção na próxima vez.

Importante é sempre nos manter resilientes, conscientes que podemos planejar, pensar, estruturar, porém a verdade é que só testando nossas ideias que vamos descobrir o que pode dar certo ou errado. E aí é no meio do caminho que precisaremos nos adaptar, rever os planos (ainda que o plano seja o improviso) e retomar a caminhada.

Pra mim uma coisa realmente importante é deixar a caminhada um pouquinho mais leve e colorida com os trabalhos manuais que além de nos ensinarem tantos princípios são uma terapia. Se quiser marcar qualquer hora de fazer trabalhos manuais ou empreender, é só chamar.

Comentários (1)
  1. Ciça Costa disse:

    Que lindo texto, Luiza.
    O fazer manual sempre ajudando a nos observar 🙂
    Abs, Ciça

Deixe um comentário

Seu e-mail não será publicado. Campos obrigatórios estão marcados com *