Comunicação

Sobre comunicar o que realmente importa

Estive com duas empreendedoras que começaram a relatar uma reunião importante da qual participaram. Elas foram vender um serviço e contaram que que tinham conseguido vender, “mas”…. E esse mas foi suficiente para abrir uma reflexão profunda a partir dessa narrativa. Parece que o sucesso é sobre fazer a venda, porém para além disso há um campo para podermos aprender sobre as relações humanas e principalmente sobre nós mesmos.

O “mas” delas começou assim: primeiro, a maneira que olharam para a gente era como se não tivessem nos dando importância. Segundo que a cada vez que a gente iniciava uma frase era interrompida com uma sugestão que não tinha muito a ver com o produto a ser explicado e por último, depois que enfim conseguimos terminar saímos de lá exaustas. Passados dois dias elas ainda estavam se sentindo com suas energias completamente drenadas. Elas fecharam a venda, mas o custo da transação foi alto energeticamente. 

Nesse momento paramos para refletir em quantas interações nossas com outras pessoas o objetivo foi atingido, mas quanto foi custoso para chegar até lá. Nas nossas interações com os outros estamos constantemente nos comunicando e a maneira que o fazemos muitas vezes não é a mais efetiva do ponto de vista do outro. 

Comunicação não é só o que é dito

Seria muito simplista pensar que a comunicação é feita apenas de palavras comunicando com o nosso cérebro. Temos outros órgãos de percepção que estão constantemente nos orientando. A visão é um deles, pelo qual podemos ver os gestuais, as expressões faciais, etc. O corpo – ou o soma –  é outro importante órgão de percepção: a energia de algum ambiente fica pesada e ficamos com os ombros tensos, uma conversa mais dura nos deixa sem fome ou com uma leve dor no estomago. Mas muitas vezes ignoramos essa escuta do corpo e deixamos para lá. Passa-se o tempo nesse ambiente duro e ficamos com gastrite, ou enxaqueca. Ou seja, somatizamos. E aí algumas vezes a conta de não estar tão sintonizado nessa comunicação com o corpo vem em formato de doenças.

 Escutar de verdade 

Voltando a cena da reunião, a pergunta que refletimos sobre foi a seguinte: no início da reunião quanto tempo foi dedicado para ouvir o cliente, para conhecer um ao outro, para sentir o que era a necessidade do momento? Quantas vezes já chegamos com o script pronto, nos preparamos para a reunião, ensaiamos, como se fosse uma prova objetiva… Muitas e muitas vezes, sob a justificativa que o tempo é curto, que precisamos ir direto ao ponto não dedicamos esse tempo inicial para ouvir a necessidade do outro. É grande a nossa pressão por chegar em pontos comuns, mas o custo do retrabalho é maior ainda. 

Além disso, o processo de se relacionar com o outro é um processo complexo: significa constantemente estar conectado com o outro, atento e receptivo e ao mesmo tempo atento consigo na sua integralidade: na maneira como usa as palavras, os gestos, como está se sentindo conforme vai se desenrolando a conversa. Usando uma metáfora: é calçar os sapatos dos outros e sentir os calos do outro e ao mesmo tempo que estamos calçados com o nosso calçado, conectado com os nossos próprios calos. Essa metáfora para mim é a chamada escuta empática: é escutar estando em relação com o outro, conectado consigo mesmo. 

Ao falar em escuta empática entramos em contato com uma metodologia de pesquisa muito transformadora chamada Comunicação Não Violenta ou CNV. Essa linha de pesquisa foi desenvolvida pelo psicólogo Marshall Rosenberg a partir de um questionamento profundo. Marshall (1934-2015) era de família judia e viveu nos Estados Unidos na década de 1940 quando o anti-semitismo ainda era forte. Marshall sofreu preconceito e começou a questionar-se porque as pessoas tratavam as outras com crueldade e violência. A partir disso seguiu seus estudos em psicologia, seguindo uma linha humanista. 

Marshall observou o papel da comunicação nos relacionamentos e o quanto do as pessoas sofriam por conta das situações onde a comunicação não fluía de forma adequada. Marshall Rosenberg entende que a nossa comunicação “tradicional” tende a ter elementos de violência, no momento em que nega sentimentos, faz inferências inadequadas e não proporciona um entendimento mútuo entre os sujeitos. Nas suas próprias palavras: 

“Em minha experiência, repetidas vezes pude ver que a partir do momento em que as pessoas começam a conversar sobre o que precisam, em vez de falarem do que está errado com as outras, a possibilidade de encontrar maneiras de atender às necessidades de todos aumenta enormemente.”

Na comunicação não violenta, mudamos o foco: do problema para a solução. 

Além disso, a CNV também leva em conta os nossos sentimentos: ao partirmos desse lugar, conseguimos nos conectar no impacto que causamos no outro e a partir desse feedback, recalcular nossa forma de agir e nos comunicarmos com o outro. Para todas as relações, poder falar a partir desse lugar é extremamente valioso: ao acolhermos o sentimento do outro, também acolhemos o nosso sentimento.

Marshall comenta que o nosso vocabulário de palavras para julgar os outros costuma ser maior do que o vocabulário para descrever claramente nossos estados emocionais, que nos conecta com a necessidade de estamos conectados conosco antes de julgar o outro. Essa escuta sem julgamento é outra premissa da CNV.  É o que o filósofo indiano J. Krishnamurti diz sobre “observar sem avaliar”

A CNV tem sido utilizada em diversos contextos para mediação de conflitos, tratativas políticas, mas é válida e muito poderosa para todo e qualquer contexto que envolva pessoas. 

A Comunicação Não Violenta na prática

Há uma estrutura proposta por Marshall de frases, incorporando os seguintes elementos: observação da situação, expressão dos sentimentos, expor as necessidades não atendidas e fazer um pedido. 

Um exemplo de construção seria: Notei que você estava muito ocupado hoje pela manhã (observação), me senti um pouco preocupado (sentimento) pois preciso falar sobre a reunião de amanhã (necessidade não atendida), quando você acha que poderíamos falar (pedido)? 

Porém, muito mais do que cumprir à risca a estrutura, observar sem julgar, conectar-se com os seus sentimentos e com o dos outros e ser capaz de enumerar qual é a necessidade que não está sendo atendida e fazer um pedido claro são elementos que aprofundam nossa capacidade de ser acolher e ser acolhido e potencializam nossa chance de ter sucesso. É muito rico experimentar e ir se observando as mudanças acontecendo.

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