Esses dias eu passei um dia inteirinho viajando sozinha. Enfrentei quatro aeroportos, duas conexões e um vôo atrasado. Quem é mulher sabe de que dia estou falando – se eu fosse descrever esse dia com um sentimento, certamente seria cansaço.
Quando enfim cheguei no destino, tinha alguém me esperando no aeroporto para fazer o translado que me levaria ao hotel. E chegando lá, surpreendentemente, fui recebida pela proprietária com uma frase mais ou menos assim:
Sinta-se em casa, aqui é a cozinha. Fique a vontade para usá-la e conte comigo como se eu fosse alguém da sua família.
Senti aquela frase como um abraço apertado. Dinheiro nenhum paga esse carinho após um dia desses.
Pois bem, aqui começamos a falar sobre economia do amor.
Sabe quando você aprende algo que no fundo sempre soube? Comigo foi assim com a tal economia do amor. Imagine que a economia é um bolo, metade dele é monetarizado, ou seja, há a circulação de moedas. Na outra metade não. A metade monetarizada fica no topo e se divide em três: a primeira parcela é a da economia privada. A segunda é a da economia pública, ou seja, o investimento de dinheiro público. E a terceira é a do mercado que circula dinheiro mas não de uma maneira formal – o mercado underground.
A segunda metade do bolo se divide em duas: a parte de cima é a economia do amor. A parte de baixo é a economia da natureza, que é a base para todas as outras – e a vida – existirem. Essa representação da economia em formato de bolo é uma proposta da economista e futurista Hazel Henderson e tem uma importância primordial nos dias de hoje.
Por que? Para nos re-lembrar do valor da economia do amor.
Por que? Porque o modelo que olha só para a economia enquanto mercados/monetizada não vai dar todas as respostas para combater a crise ecológica, social, econômica e de valores que estamos passando.
Por que? Porque quando a gente passa a viver contemplando essa dimensão, nossa vida ganha uma outra cor.
Para além do PIB
Se a gente for analisar o que o indicador de produto interno bruto mede, ele está relacionado a todas as atividades econômicas associadas com valores monetários, e tudo que não está relacionado a dinheiro, não é medido. Ou seja, se uma economia está em guerra e a indústria de armamentos cresce suas vendas, isso é medido pelo PIB. O objetivo maior das economias no modelo atual é o crescimento ano a ano do PIB. Porém, voltando para a base do bolo da Hazel Henderson, a natureza é a base dessa economia. E aí, primeira grande reflexão: como pensar em crescimento infinito com um planeta com recursos finitos?
Isso me faz pensar que precisamos redefinir o que significa crescimento, mais para um olhar de qualidades, pois nós vivemos nossas vidas mais em termos de qualidades do que quantidades. Podemos ter muito dinheiro, mas ele não compra o sorriso. As qualidades capturam aspectos essenciais do todo e comportamentos pessoais que as quantidades não conseguem descrever, como diria Brian Godwin.
Gosto muito desse olhar da Hazel Henderson e do Fritjof Capra: e se re-definirmos crescimento com o que potencializa a vida: o que a gera e a regenera, e declararmos que o que nosso planeta mais precisa é mais disso. E é isso que eles chamam de crescimento qualitativo, e que deveria se aplicar a organismos vivos, ecossistemas, sociedades. Trata-se de um aumento de complexidade, sofisticação e maturidade.
Há alguns anos visitei o Butão. Havia lido muito que o Butão era um país muito pobre, por ter um PIB muito baixo e minha expectativa era encontrar um país pobre. Não foi o que vivenciei. No Butão existem dois governantes, um – no caso um rei que se ocupa das questões administrativas do país. E um segundo governante que se ocupa das questões espirituais. O famoso indicador de felicidade bruta (gross happiness index) leva em conta questões como a cultura e a preservação das tradições. Trata-se de um conceito muito mais abrangente de medir a saúde econômica do país. E quando você fala de cultura e tradições, você toca precisamente na identidade. Quando uma pessoa tem orgulho da sua identidade, parece que outras questões se tornam marginais, como por exemplo o consumismo e a riqueza ganha outro prisma. Essa medida da felicidade, que está ligada não ao bem-estar mas ao bem-viver está sendo discutidas em fóruns como o Fórum Econômico Mundial, em artigos como esse aqui.
Além disso, a economia do amor pressupõe que alguém dá amor para outra pessoa receber, e aí isso nos relembra que não estamos sozinhos e que dependemos uns dos outros. E aí, podemos repensar se queremos ficar nesse paradigma de competição, de olhar apenas para quantidades ou se preferimos um outro paradigma, mais rico e plural. Há um autor chamado Charles Eisenstein que fala sobre a necessidade de nos apoiarmos numa nova história de interdependência, e que quanto mais formos capazes de agir a partir desse modus operandi, mais seremos capazes de criar um mundo que reflita isso. É esse mundo precisamente o título de uma das obras dele: O mundo mais bonito que nossos corações imaginam ser possível.
Fica aqui o meu convite para você começar a imaginar, pois o primeiro passo para começar algo é na nossa imaginação e parafraseando o poeta Murilo Mendes:
“só não existe o que não pode ser imaginado.”