Tenho um afilhado de 6 anos. Há algum tempo, fui visitar ele e sua família e ele me contou ao chegar em casa, em meio a olhares raivosos, que nunca mais voltaria a escola e que odiava a professora dele.
Procurando entender o que se passava, perguntamos o que havia acontecido e a resposta foi um emburrado:
Eu odeio minha professora. Ela nunca me deixa fazer nada que eu quero.
É interessantíssimo olhar para crianças e participar do seu dia a dia pois, diferente dos adultos, elas expressam exatamente o que estão sentindo. Quantos de vocês não odeiam seus chefes? Agora, quantos de vocês tem um poder de expressão e ação sobre este fato? Sem dúvida uma porcentagem bem menor. A escola, a família e o trabalho fazem um desfavor a nós enquanto crescemos: reprimem nossos sentimentos e nossas emoções enquanto valorizam a racionalização lógica dos eventos.
Por que isso é ruim? Vamos tentar entender.
Nosso conceito de inteligência está errado
Daniel Goleman, em seu aclamado livro Inteligência Emocional, nos sugeriu que podemos separar o que chamamos de inteligência em duas grandes áreas: suas habilidades intelectuais (IQ – intelligence quotient) e inteligência emocional (EQ – emotional quotient).
Mas quase uma década antes, em 1983, Howard Gardner, professor de psicologia de Harvard, já havia proposto a teoria das múltiplas inteligências, em seu livro Estruturas da Mente (Frames of Mind, em seu título original). Em sua tese, Howard separa a inteligência em sete grandes áreas, sendo:
- Linguística – Habilidades relacionadas a linguagem;
- Matemática – Habilidades com números e contas;
- Musical – Fácil entendimento e construção de ritmos e sons;
- Espaço-visual – Facilidade em visualizar e entender o espaço e suas relações;
- Corporal-cinestésica – Habilidades físicas e corporais;
- Intrapessoal – Bom entendimento de si mesmo;
- Interpessoal – Facilidade em entender e interagir com outras pessoas
E o grande problema disso tudo é que nosso sistema educacional considera, se você tiver sorte de estudar em uma boa escola, apenas cinco delas: Percepção de espaço, controle físico, musical, matemática e linguística. Mas este mesmo sistema avalia e realmente dá importância para apenas duas delas: Habilidades matemáticas e linguísticas.
Em que isso implica? Construímos uma sociedade que não aprende a entender a si mesmo ou a se relacionar com o próximo.
Legal, mas o que isso tem a ver com liderança?
Lembram do meu afilhado e suas reclamações? Ele ainda não aprendeu a se relacionar com os outros e nem consigo mesmo, por isso têm dificuldades de entender sua professora e os sentimentos que ela gera nele mesmo.
E a questão é que, mesmo que já tenhamos um pouco mais de 6 anos, não aprendemos ao longo de nossa jornada a se relacionar de forma sincera e empática com os outros e, muito menos, a olhar para dentro e entender quem realmente somos (e você também ‘é’ seus sentimentos e emoções).
Somos tão forçados a estimular a nossa inteligência linguística e lógico-matemática que pensamos que liderança é apenas coordenar (muito confundido com ‘mandar’) para que sua equipe entregue tarefas e cumpra metas. Por isso temos tantos maus chefes. Chefes que não confiamos, autoridades as quais duvidamos de cada ato, superiores aos quais obedecemos por falta de opção, não pelo fato de confiarmos neles.
Relacionamento é a base da Liderança
Liderança é um tema complexo e que envolve diversas variáveis (você pode encontrar outras publicações relacionados ao tema em nossa escola ). Mas aqui, seremos sucintos e vamos pensar nos fatores mais importantes:
- Conhecer a si mesmo, entendendo suas limitações, habilidades, dores, prazeres e como suas ações impactam o seu time, seu projeto, sua empresa e a sociedade.
- Entender e preocupar-se com o outro, antes mesmo do seu projeto. Liderança é sempre sobre sua equipe e como eles se sentem e trabalham em prol da causa.
- Ter um objetivo em comum com seu time e performar em direção a ele.
Se você reparou bem, são princípios completamente relacionados aos tipos de inteligência que nós não aprendemos na escola.
Então, como aprendê-los? Como desenvolvê-los?
Entendendo a si mesmo
Analisar-se criticamente, saber se ouvir e ouvir críticas conscientemente.
Você tem comportamentos que foram padronizados ao longo da sua vida, que você nem percebe que os faz. Se você não está convencido, te darei um fato chocante: você sempre começa a se ensaboar pelo mesmo lugar, durante o banho. Sim, essa é uma daquelas coisas bobas, da qual você nunca parou para refletir sobre, mas que executa todo santo dia.
Agora imagine quantas outras ações você não toma inconscientemente no seu dia a dia:
- Como você reage quando recebe um elogio?
- Qual é sua primeira reação ao receber uma crítica?
- Como é sua postura em relação a pessoas as quais você se sente intimidado?
- Como é seu tom de voz quando está argumentando um ponto?
- Como se comporta em situações de stress?
Você precisa começar a se perceber. Peça feedbacks de quem convive com você, ouça-se falando com os outros, filme você mesmo dando um discurso ou uma palestra e, o mais importante: sentir. Sinta os sentimentos que afloram em você em determinadas situações e questione! De onde vem esse medo? De onde vem essa insegurança? Porque fico agitado quando isso acontece? Por que continuo adiando coisas importantes?
Você precisa tomar consciência de quem você é e como você age, para então procurar a melhora.
Depois que você começar a entender como você funciona, chega a hora de entender como os outros funcionam.
Criando empatia
Liderança é um fenômeno social. Ela só acontece quando duas ou mais pessoas se relacionam e possuem um objetivo em comum. Um líder nasce quando traz visão, segurança e auxilia no caminho até este objetivo.
Parece simples deste ponto de vista. Mas somos seres complexos e nossos comportamento varia de acordo com os estímulos que recebemos, varia de acordo com nossa motivação e fatores externos ao objetivo. Trabalhamos, cuidamos da casa, criamos os filhos, estudamos, nos divertimos e nem sempre estaremos dispostos a nos doar por uma causa. Ainda mais se for para satisfazer as necessidades de um chefe que mal se preocupa conosco.
Portanto, além de pensar nos objetivos e metas, um líder deve entender como deixar as pessoas ao seu redor seguras e felizes. E isso só acontece quando existe preocupação genuína com estes fatores. É preciso saber que sua equipe é formada por seres humanos, não robôs.
Existem sentimentos, dores, prazeres e problemas pessoais que são mais importantes do que o trabalho, mas que quando são analisados e entendidos pelo líder de forma empática, diminuem o ruído causado na equipe.
Para concluir
Estar a frente de uma equipe, uma causa, uma família ou uma empresa não é tarefa fácil.
Os ruídos causados por tantas coisas ao nosso redor (TV, internet, fofoca, relatórios, metas, escola, trabalho e uma lista infinita de coisas) tiram o brilho do presente mais valioso que vamos ganhando ao longo da vida: pessoas.
Os grandes líderes, aqueles que moveram multidões, entenderam isso muito bem. Todos eles perceberam que as vidas que os rodeavam era o fator que realmente importava e decidiram dedicar sua existência a torná-las melhor. O produto final de cada um é apenas consequência disso.
Não aprender isso na escola não é justificativa para deixar de fazê-lo. Lembre-se: conhecer-se e conhecer ao próximo, é isso que você e o mundo precisam.
Você é um dos caras mais fodas que eu conheço, Lucas! Como amigo e como líder, você sempre me ensinou muito. Obrigado <3
"Os ruídos causados por tantas coisas ao nosso redor (TV, internet, fofoca, relatórios, metas, escola, trabalho e uma lista infinita de coisas) tiram o brilho do presente mais valioso que vamos ganhando ao longo da vida: pessoas."
Arrepiei aqui! Continue escrevendo, velho!
Poxa Igor, quase chorei com seu comentário. É ótimo saber que essa admiração é mútua.
Você também é uma inspiração em uma infinidade de aspectos. E pode saber que o Lucas que existe hoje deve muito do que sabe a você.
É nóis! <3