Junho de 2021. Uma palavra se torna uma das mais procuradas na internet em questão de dias. A pergunta “O que é cringe?” salta mais de 500% nas buscas no Google. E abre o mais novo conflito entre gerações.
No Instagram, a hashtag #cringe teve mais de 20 milhões de publicações e no Tiktok, vídeos com a mesma hashtag já ultrapassaram 10,5 bilhões de visualizações. Na origem, cringe é um verbo em inglês que quer dizer (mais ou menos) sentir-se constrangido ou envergonhado. Aqui ganhou conotação de adjetivo… pejorativo.
Tudo que é considerado embaraçoso, cafona, ultrapassado – um “mico ou vergonha alheia”- passou a ser cringe para a geração Z (os nascidos a partir do fim da década de 1990). Só que os “ataques” foram direcionados para a geração imediatamente anterior: os Y ou famosos Millennials (os nascidos ali entre 1981 e 1997) e eles sentiram o golpe! De repente, ser Millennial não é mais tão cool e descolado assim…? E lá se foi o posto de representantes da Juventude, aquela com J maiúsculo que ilude ser eterna…
Opa! Como pesquisadora da nova Longevidade e da Diversidade Geracional, isso muito me interessa. Será o alinhamento de Júpiter e Saturno provocando o realinhamento de gerações? O começo da Era de Aquário anunciando o declínio de um grupo?
Apenas uma brincadeira, como já fizeram com nossas ombreiras, cabelo estilo Farrah Fawcett e combinação de collant com polaina pra ginástica? (Só palavras cringe, das quais nós mesmos hoje damos risadas). Ou a base para início de preconceito e mais um rótulo que chega para carimbar uma faixa etária e promover a exclusão? Erguer muros de separação e não pontes? Não sei ainda, mas fui buscar respostas.
Queria saber até que ponto os GenZs abalaram a confiança dos GenYs. No caminho, encontrei “risinhos de vingança” da geração X (os nascidos ali no período aproximado entre 1961 e 1980). Um certo prazer em ver os que muitos apelidaram de geração Mimimi sofrerem um bullying básico dos novinhos… A garotada de 16, 18, 22 anos botou os Millennials para correr ao espelho e procurar os sinais do envelhecimento aos 27, 30, 34…!
Vários levaram no bom humor e fizeram publicações engraçadinhas até na rede dos “inimigos”: o TikTok. Defenderam com unhas e dentes o seriado Friends, a cerveja litrão, a calça skinny e também os hábitos cringes de tomar café da manhã e usar Kkkkk… Mas alguns olharam pra sua imagem e viram refletidas questões bem mais profundas.
Num artigo com o título “Deprimidos , falidos e cringes: a maldição dos Millennials”, a publicitária Daniele Lazzarotto, de 34 anos, foi contundente na autoanálise. São a geração mais pobre e deprimida de todos os tempos. Para ela, caíram numa cilada sem se dar conta. A ideia de que é muito mais cool ter acesso aos bens do que a posse deles e de que as experiências valem mais do que coisas materiais se provou uma armadilha para muitos.
“O que ninguém nos avisou é que o “acesso” é temporário e que em momentos de recessão é a posse que permite estabilidade. Preferindo gastar seu dinheiro com experiências, os millennials criaram para si um estilo de vida caro e acumularam pouco ou quase nada que pudesse ser trocado por dinheiro. E, agora que as vantagens da propriedade se tornam óbvias, não têm recursos para bancar a compra,” lamenta pelo leite derramado.
A edição mais recente do estudo global “Millennials e Geração Z”, da Deloitte, mostra que essa espécie de “selfie” feita agora está realmente sem filtros… Mais da metade dos participantes – de ambas as gerações – disseram que se sentem estressados na maior parte do tempo. O futuro financeiro de longo prazo, o bem-estar familiar e as perspectivas de emprego são as três causas mais comuns do estresse dessas gerações.
A pandemia afetou fortemente as carreiras dos jovens. Quase um quarto dos Millennials mais novos (25-30 anos) e 30% dos jovens da Geração Z perderam o emprego ou foram postos em licença temporária e não remunerada. Não à toa o desemprego é o maior medo desses profissionais. A saúde mental também aparece no topo da lista de preocupações.
Uma outra pesquisa revelou que 95% dos Millennials sofrem ou já sofreram com o burnout, síndrome de esgotamento físico e mental, em geral relacionada a um ritmo alucinante de trabalho. Isso em 2019 ainda… antes da pandemia. Aquela olhada mais atenta no espelho mostrou que ter a liberdade de escolher trabalhar com o que se ama nem sempre trouxe a realização esperada.
No lugar de prazer constante, num ambiente decorado com piscina de bolinhas, vieram a conexão constante com os chefes, a disponibilidade constante para a missão do momento, a cobrança pelo alcance de metas e muita frustração financeira.
Ah, você deve estar pensando: “Mas desemprego, dinheiro no bolso, bem-estar familiar e sanidade mental não são angústias exclusivas dos jovens.”
E você tem razão!
Tanto nós da geração X, quanto os BabyBoomers, todos na faixa dos 40+, 50+ e 60+… prezamos pelos mesmos valores, desejamos pertencimento e reconhecimento, precisamos pagar os boletos e ter paz de espírito. Ou seja, temos mais em comum do que supõem pequenos rótulos de 6 letras: cringe.
A pandemia aproximou as gerações por alguns maus motivos. Se numericamente os trabalhadores com menos de 24 anos são a maioria dos desempregados no Brasil hoje, proporcionalmente os profissionais acima de 50 anos foram os mais dispensados em 2020.
E a recolocação tem sido um desafio cheio de obstáculos. A sensação de solidão também desceu aos andares mais jovens. Lá no artigo da publicitária Daniele Lazzarotto, ela constatou, mesmo sendo super conectados: “É realmente surpreendente descobrir que acabamos nos tornando a geração mais solitária do planeta: 30% dos Millennials disseram que sempre ou frequentemente se sentiam sozinhos, em comparação com 20% da Geração X e 15% dos Boomers.”
A crise da Covid-19 mexeu também com um dos dogmas geracionais em relação à estabilidade no trabalho. Pela primeira vez, desde que a questão entrou no estudo da Deloitte em 2017, há mais Millennials dizendo que desejam ficar com os seus atuais empregadores por cinco anos ou mais do que os que responderam que querem sair em dois anos.
Os GenZs continuam mais interessados em mudar, mas apenas metade afirmou que gostaria de trocar de emprego no prazo de dois anos (em 2019 eram 61%). E bons sinais! Quase 75% dos entrevistados de ambas as gerações garantiram que a pandemia os tornou mais empáticos às necessidades de outras pessoas. Estão determinados a aproveitar este momento para fazer mudanças e impactar de forma positiva as suas comunidades e o mundo. E a cobrar que empresas e governos façam o mesmo.
Um levantamento feito pelo Google Consumer Survey em 2019 já apontava essa tendência à inclusão, entre homens e mulheres de 18 a 24 anos. 85% disseram estar dispostos a doar parte do seu tempo para alguma causa. A preservação do meio ambiente aparece em primeiro lugar (43%), mas o ativismo pelas diversidades (soma 50%) e a desconstrução de estereótipos (11%) marcam forte presença.
A defesa da educação, da cultura, da equidade de gênero, raça, dos direitos LGBTQIA+ e PCD, a luta contra a devastação ambiental e a desigualdade social não são bandeiras de X, Y ou Z. Se nossa visão está alcançando apenas a criação de memes, piadas e dancinhas nas redes sociais, quem sabe também devamos recalibrar as lentes contra quaisquer miopias preconceituosas? Quando nos olharmos no espelho que vejamos os responsáveis pela construção de um mundo melhor. Que tal pertencer à Geração Igualdade?
O que nos une é maior e mais forte do que o que nos separa. Cringe?
Me sintonizei!! Vlw