Victor Soares é mineiro de São Francisco e, atualmente, é cantor lírico, professor de canto e doutorando junto à Universidade de Berna, na Suíça, na área de Estudos Sonoros e Antropologia. Este post segue nossa série “O esforço por trás do sonho“, que conta pra você que a vida é muito mais transpiração do que inspiração.
O senhor da vida
Correr atrás de um sonho é, muitas vezes, um processo doloroso, difícil, de muita privação.
Sempre gostei de cantar, e meus professores me diziam ter uma voz rara. Sou contratenor. Por isso, decidi que estudaria na Suíça, onde tem uma escola especializada no repertório para a qual minha voz se encaixa.
Quando vim para Europa, mudei completamente a rota da minha vida. Tinha acabado de me formar em Direito e resolvi que seria uma boa arriscar tudo novo: língua, natureza, país, círculo social, amigos, família, tudo de uma vez, “só” pra começar uma carreira nova, que nada tinha a ver com Direito.
Mas a realidade é que, no fim das contas, ninguém começa nada do zero. Até as mudanças mais radicais tiveram um planejamento, e comigo foi exatamente assim: ainda no quarto ano de Direito, decidi que viria pra cá e me preparei durante um ano inteiro. Estudei alemão em uma fase difícil, enquanto desenvolvia monografia e me preparava para a OAB.
Com tantas tarefas, achei que não tinha a menor condição de passar na prova de admissão da faculdade de música da Suíça, e essa foi apenas uma das vezes que a síndrome do impostor bateu com força. Tenho certeza que tentei me autossabotar a qualquer custo nessa prova, por medo das mudanças ou por não confiar em mim mesmo.
Mas, passei. E, quando cheguei, fiz amigos rapidamente e já consegui, de cara, trabalho. Tive sorte – mas durou pouco, pois peguei laringite aguda no inverno europeu e fiquei dois meses sem voz. Além disso, cometi o erro de morar sozinho no país estranho, fiquei deprê e tive várias neuras.
Comecei, subconscientemente, a achar todas as razões do mundo para que eu não desse certo na Suíça, porque em algum lugar do meu desconforto eu queria voltar para o Brasil, ainda que meu sonho fosse estar na Europa.
Por conta disso, tive uma crise grande, que culminou com a minha ausência na prova para tirar o diploma de Bacharel em Música e uma passagem de volta ao Brasil. Aqui, descobri que não seria feliz sem viver meu sonho. Com a ajuda da família, dos amigos e dos professores suíços que, mesmo longe, sempre me estenderam a mão, acabei me reerguendo e voltando para concluir meu curso no velho continente.
Hoje, faço doutorado na profissão que eu escolhi, e que me escolheu, e continuo morando na Suíça. Aprendi que, se dermos tempo ao tempo, a gente enfrenta os medos, fica forte e vira senhor da nossa própria vida.
Acredito que a palavra sucesso induz a muitos enganos, tem muitas conotações ruins e dá a entender que tudo é fácil. Ela te condiciona a um ideal de vitória, felicidade e superioridade em relação aos outros que não me agradam. Contudo, se você chamar sucesso de “felicidade”, eu diria que tenho sucesso. Os projetos aos quais me propus dedicar tem dado certo.
Os perrengues não cessaram só porque eu vivo o sonho. E com certeza não são todos os dias em que estou feliz, isso é um luxo gigantesco! Mas, quando olho pra trás e vejo meu processo, me percebo que faço o que queria fazer – e, principalmente, buscando sempre mais.
A busca é a razão das coisas: buscar, encontrar, ficar em dúvida, buscar de novo é o que nos move, um pouquinho por dia, aos sonhos que queremos realizar. Não podemos deixar de perseguir novas coisas nunca…
(PS: a propósito, a minha próxima busca é por um marido!)
Gostou do depoimento do Victor? Leia o do Rafael Damasceno, da Supersonic, que a gente publicou na semana passada.
Na semana que vem, quem fala com a gente é o Lédio Carmona, comentarista de futebol da Globo e SporTV.