Houve um ponto da minha vida, mais ou menos há 5 anos, em que eu passei a ver o mundo de forma diferente.
Até então a minha vida, e basicamente a de todo mundo, era como uma história muito bem contada, com eventos sequenciais e lineares que levavam as coisas até o momento presente.
A primeira epifania veio quando li Sapiens, de Yuval Noah Harari, em 2015, e comecei a entender melhor narrativas e a nossa capacidade de construir, interagir e acreditar em símbolos. Nesse período comecei a perceber que as conjunções do mundo se davam de uma forma muito diferente do que eu julgava. Alguns meses depois caí nas teorias da complexidade e, mergulhando a fundo, uma chave virou na minha cabeça. Literalmente, passei a visualizar o mundo de forma diferente.
Agora tudo se montava em sistemas semi-abertos afetados por outros sistemas, num fluxo infinito de informações que moldavam as ações e suas consequências, num feedback loop eterno. Uma conjuntura de tamanha complexidade que, por alguns dias, eu realmente desejei ter de volta a minha vidinha linear e com histórias bem contadas.
Do dia pra noite eu conseguia quase vislumbrar todas as árvores de decisão de toda ação que eu tomaria, entendendo suas consequências 4 ou 5 passos a frente, avaliando cada outra interação consequente disso devido a todas as outras interferências que a vida põe a frente do seu “plano”. É claro que tudo isso ainda era só eu, na minha inocência, tentando visualizar a complexidade das consequências das minhas ações. Na realidade, nosso cérebro literalmente não foi projetado para lidar com isso.
Como ser um louco, mas um louco consciente?
Para citar o grande guru da adolescência da minha geração, Chorão (aka “O Charlie Brown”), como enlouquecer conscientemente?
Basicamente, o que estava acontecendo comigo era que a linearidade da vida tinha simplesmente desaparecido (talvez aconteça com você também). Então, como tomar decisões e viver em paz, sabendo que você não significa nada num universo onde a entropia reina e que, no fundo, suas decisões podem pouco afetar o seu futuro?
Eu precisava de um guia, um modus operandi, que me ajudasse a ser feliz e atingir meus objetivos, neste mundo de estímulos (leia-se informação) abundante e, agora não mais, ilusão de controle.
A linha filosófica mais eficiente da atualidade
Em meio à uma diversidade gigante de filósofos, linhas de pensamento, teorias e escolas, são poucas as filosofias que podem ser usadas para gerar mudanças significativas no dia a dia de uma pessoa comum atualmente – o mundo exponencializou drasticamente em tecnologia, conhecimento e acesso à informação – e a humanidade ainda está tentando entender como viver no século XXI com saúde mental, emocional e física.
Infelizmente, a maioria dessas filosofias são ignoradas pelo ensino tradicional por não deixar brechas para ambiguidades e relativismos, ambos ingredientes indispensáveis para se criar um sistema de ensino burocrático e ineficiente.
Como resume Ryan Holiday, empreendedor e autor do livro sobre estoicismo The Daily Stoic:
“Para aqueles que vivem no mundo real, só existe uma linha filosófica criada para nós: o estoicismo.”
E eu resolvi trazer uma adaptação traduzida do texto de William Braxton, que usou uma estruturação em tópicos para descrever a filosofia que me ajuda diariamente a viver a construir a minha vida. É uma forma prática e rápida de entender e praticar o estoicismo. Vamos lá?
O estoicismo explicado em tópicos:
Ter uma vida boa não é ganhar na vida (também conhecido como ter um emprego bem remunerado)
- Uma pessoa deve ser virtuosa para ter uma vida boa.
- A virtude de uma pessoa depende de sua excelência como ser humano, de quão bem ela desempenha a função para a qual os seres humanos foram “projetados”.
- Um martelo virtuoso é aquele que prega muito bem, uma tesoura virtuosa é aquele que pode cortar bem.
- Ser virtuoso é viver como fomos projetados para viver, isto é, raciocinar, explorar sua criatividade, comunicar-se com clareza e viver em sociedade. Por exemplo, um dos quais é o dever social que é honrar nossos pais, ser agradável com nossos amigos, ser amigável socialmente, útil para o próximo etc.
Técnicas psicológicas para praticar o estoicismo e obter uma vida boa:
- Procure o ponto de vista negativo:
- Coisas ruins acontecem, por mais que tentemos evitá-las. Assumir que sempre seremos capazes de apreciar as coisas que valorizamos é mentira. A vida raramente é fácil e… shit happens.
- Estamos infelizes em grande parte porque somos insaciáveis. Depois de trabalharmos duro pelo que desejamos, rapidamente ficamos entediados, insatisfeitos, tomamos as coisas como garantidas e acabamos perseguindo novos desejos.
- No consumo: desejo o novo celular/carro/laptop da moda, mesmo que o meu ainda funcione perfeitamente.
- No trabalho: quero salários mais altos, um novo ambiente de trabalho e um novo chefe – mesmo que há um ano esse tenha sido o emprego dos sonhos
- No relacionamento: fantasio sobre como seria me envolver com novas pessoas, mesmo estando em um relacionamento estável.
- A solução é impedir que você se acostume com o que já tem. Passe a não encarar as coisas que você têm como garantidas e valorize-as no momento presente.
- Imagine que nada disso é garantido: nossa esposa nos deixou, nossos parentes e amigos morreram, perdemos nosso emprego, nossa casa, nosso dinheiro, roubaram seu carro e assim por diante.
- Ao longo do dia, reflita periodicamente que não viveremos para sempre e que esse dia poderá ser o nosso último. O objetivo não é mudar nossas atividades, mas nosso estado de espírito enquanto realizamos essas atividades. Dessa forma você será um ser mais presente.
- Se nos compararmos com a qualidade de vida de um ser humano médio há 200 anos, a maioria de nós já está vivendo o sonho: tendo um parceiro maravilhoso, um emprego dos sonhos, um bom carro. Obviamente que alguns são menos afortunados, mas, ainda assim esta prática pode ser extremamente útil.
- Estar satisfeito com o que temos não significa que não devemos procurar certas coisas na vida ou nos esforçar para melhorar.
- Tricotomia de controle:
- Existem coisas sobre as quais temos:
- Controle total: objetivos que estabelecemos para nós mesmos, opiniões e valores que formamos;
- Sem controle: se o sol nascerá amanhã;
- Controle parcial: se venceremos uma competição ou nos tornaremos milionários, mesmo que nos esforcemos muito para isso;
- Não devemos nos preocupar com coisas que não temos controle.
- Se queremos coisas que temos menos ou nenhum controle, às vezes deixamos de conseguir o que queremos, ficamos chateados e ansiosos com isso.
- Uma estratégia para lidar com coisas que temos menos ou nenhum controle é ter cuidado com os objetivos e valores que formamos.
- Em vez de estabelecer uma meta para vencer uma competição, que só temos controle parcial, defina uma meta para fazer o melhor possível na partida (algo que você tem controle total);
- Isso vai te libertar da frustração, caso você perca ou não obtenha exatamente o que quer.
- Existem coisas sobre as quais temos:
- Fatalismo:
- Devemos aprender a acolher o que quer que venha a nós e confiar que isso acontece é o melhor.
- Não temos controle do passado nem do presente (neste exato momento). Dito isto, estamos perdendo tempo nos preocupando com eventos passados e presentes (aqui, entenda presente como algo que acabou de acontecer, ou melhor, o que te conduziu para o que você está vivendo agora)
- Em vez de desejar que fosse diferente, aceite-o.
- Autonegação (extensão da visualização negativa):
- Além de contemplar coisas ruins acontecendo, às vezes devemos viver como se elas tivessem acontecido, causar um desconforto que poderíamos ter evitado (experimentar o frio mesmo que as roupas estejam à mão). Sêneca, um homem extremamente afortunado, costumava tirar um período do ano para viver como um completo mendigo nas ruas, após alguns dias, a lição era clara: “Então era essa a vida que eu mais temia viver?”
- Benefícios do desconforto voluntário:
- Endurecer-nos contra o infortúnio que pode acontecer no futuro.
- Saber que podemos suportar um grande desconforto.
- Ajudar a apreciar o que temos.
- Além de praticar o desconforto voluntário, às vezes devemos abrir mão de oportunidades de experimentar prazer, optar por não fazer coisas que nos façam sentir bem (comer carboidratos e açúcar ou ir treinar quando estiver muito cansado).
- A força de vontade é como a força muscular: quanto mais exercícios, mais fortes eles são; quanto mais força de vontade tivermos, mais autocontrole e coragem teremos.
- Meditação:
- Sobre os eventos da vida diária na hora de dormir:
- Algo atrapalhou nossa tranquilidade?
- Experimentamos raiva / inveja / luxúria?
- Existe algo que eu poderia evitar?
- Em nosso progresso estóico:
- Periodicamente, fazemos de visualizações negativas?
- Levamos tempo para distinguir entre essas coisas sobre as quais temos controle, menos e nenhum controle?
- Temos o cuidado de dar um start nossos objetivos?
- Evitamos de pensar no passado e, em vez disso, focamos nossa atenção no futuro?
- Praticamos conscientemente atos de negação?
- Sobre os eventos da vida diária na hora de dormir:
Conselhos sobre a vida diária:
- Como pensar no dever social:
- Fomos projetados para conviver com outras pessoas e interagir com elas de uma maneira benéfica;
- Para cumprir esse dever social, devemos sentir uma preocupação por toda a humanidade, fazer o bem e arcar com as consequências;
- Como preservar a tranquilidade ao interagir com outras pessoas:
- Não podemos ser seletivos ao cumprir nosso dever social (lidar com pessoas irritantes e mal orientadas), embora possamos ser seletivos em relação a quem somos amigos – aqueles que compartilham nossos valores.
- Ao lidar com pessoas irritantes, lembre-se de que existem pessoas que também nos consideram irritantes, para que também possamos refletir sobre nossas deficiências e nos tornarmos mais empáticos com as falhas dos outros.
- Devido ao fatalismo, devemos operar com a suposição de que pessoas irritantes estão fadadas a se comportar dessa maneira – esse é o normal, não o extraordinário (embora elas possam mudar, é claro).
- O risco de lidar com pessoas irritantes é que elas nos farão odiá-las, embora isso só nos torne mais parecidos com eles. A melhor vingança é recusar-se a fazê-lo.
- Como lidar com o insulto:
- O que nos incomoda não são as coisas em si, mas nossos julgamentos sobre essas coisas.
- Quando insultado, faça uma pausa e considere se o que te disseram é verdadeiro, quão bem o informador é ou se o respeitamos.
- Se é verdade ou respeitamos quem nos ofendeu, devemos refletir sobre nós mesmos e nos esforçar para melhorar.
- Caso contrário, devemos nos sentir revividos, porque é a coisa certa a fazer, pois não precisamos da aprovação deles.
- Se um cachorro late, não ficamos chateados com o fato de que ele pode não gostar de nós.
- Uma das melhores maneiras de responder ao insulto é com humor, principalmente piadas autodepreciativas. Outra maneira é sem resposta.
- Ao não responder quem tem ofende, estamos roubando a ele o prazer de nos incomodar, o que provavelmente o deixará chateado como resultado.
- Como responder à morte:
- Não é possível eliminar o luto, mas é possível minimizar a quantidade de luto que experimentamos em nossa vida.
- Uma estratégia mencionada acima é a mudança da abordagem em relação ao momento presente. Ao invés de “minha vida é horrível, nunca mais poderei conviver com ele”, pensar em “minha vida é maravilhosa, pois tive a chance de conviver anos com ele”;
- Lembre-se de que a pessoa cuja morte estamos sofrendo não quer que sejamos torturados com lágrimas.
- Como superar a raiva:
- Deveríamos combater nossa tendência a acreditar no pior sobre os outros e nossa tendência a chegar a uma conclusão sobre suas motivações.
- As coisas que nos irritam geralmente não causam nenhum dano real. Às vezes, coisas que consideramos importantes não são realmente importantes.
- O humor pode ajudar se optarmos por pensar que coisas ruins que acontecem conosco são engraçadas e divertidas.
- Quando irritados, nos forçamos a relaxar o rosto, suavizar a voz, diminuir o ritmo da caminhada e assim por diante.
- Como pensar na fama:
- Se buscarmos status social, damos às outras pessoas poder sobre nós, no sentido de que precisamos fazer coisas que as façam nos admirar. Em outras palavras, teremos nos escravizado.
- Devemos ter confiança em nós mesmos e em nossos valores e ignorar o que as pessoas pensam de nós.
- Como pensar em riqueza:
- Existe o perigo de que, se formos expostos a um estilo de vida luxuoso, perderemos nossa capacidade de gostar de coisas simples.
- Tornamo-nos mais difíceis de agradar.
- Nossos padrões estão constantemente aumentando, pois não queremos nada além do melhor.
- Uma vez iniciado, é difícil parar.
- Estilo de vida luxuoso é mais difícil de manter e acompanhar.
- As pessoas que alcançam um estilo de vida luxuoso raramente ficam satisfeitas ou felizes, pois só aprendem que desejam ainda mais luxo.
- Mesmo que um estoico não persiga a riqueza, eles a adquirem. É aceitável que eles desfrutem de riqueza, desde que tomem cuidado para não se apegar a ela. Além disso, pela prática da visualização negativa, eles devem estar preparados, pois sua riqueza pode ser retirada a qualquer momento.
O estoicismo é feito de princípios. Princípios são os valores base, ações enraizadas em seu sistema operacional que não permitem que você aja ou pense de determinadas maneiras. Princípios, crenças e modelos mentais são completamente praticáveis e, mais do que isso, eles só tem efeito quando são realmente colocados em prática.
Todos os tópicos acima listados são apenas guidelines. Elas te ajudam a viver melhor, mesmo sabendo, ou ainda, especialmente sabendo que você não tem real controle sobre o que acontece com você.
Caso o estoicismo tenha despertado seu interesse, recomendo muito que acompanhe o Daily Stoic, de Ryan Holiday, para se aprofundar no assunto (no site você pode adquirir o livro e se inscrever na newsletter diária).
Além disso, me conte: quais são os princípios que guiam a sua vida atualmente?