Mesmo que você (ainda) não tenha lido Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, já deve ter ouvido ou lido por aí uma de suas citações mais emblemáticas:
O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.
o que ela quer da gente é coragem.
As palavras do protagonista Riobaldo nos guiam a uma conclusão básica: não há estabilidade nessa aventura chamada existência. Então, por que transitamos na jornada querendo propor à vida que nos seja repleta apenas de vantagens e boa sorte?
O problema pode estar no mapa. Sim, o mapa. Aquele que a gente recebe quando nasce e que nos diz exatamente o que ser e para onde ir. Todo mundo tem um mapa só seu. E, como todo mapa, ele aponta a várias direções – só depende de para onde você quer ir.
E, como todo mapa, o seu também é feito em escalas e baseado em generalidades: se formar aos 21, fazer o primeiro milhão até os 30, ter um bom casamento aos 35 e, aos 40, poder se aposentar para viver apenas de rendas e viagens. Soa similar? Talvez seja. Se você tem, hoje, entre 20 e 40 anos, alguém te entregou, lá no berçário, um mapa mais ou menos assim.
O problema é que nem todo mundo nos conta – ou se dá conta – que um mapa é um mapa, e não um território.
Não é preciso ter coragem para encarar um mapa. Ele é só um mapa. Indispensável é ter coragem para desbravar o território.
A ilusão do GPS
Boa parte da população não sabe utilizar um mapa físico, hoje em dia, com a precisão que esse tipo de consulta demanda. O motivo é simples: com a facilidade do GPS, basta ter internet e procurar por um endereço que o telefone te mostra exatamente onde você está no mundo e qual caminho deve fazer para chegar onde quer.
O recurso é prático, rápido e eficiente – mas proponho um desafio: utilize o mapa do telefone, guiado por GPS, para fazer um trajeto que você desconhece a pé e me conte o resultado.
Dependendo do caminho escolhido, prepare-se para surpresas.
Em 2015, morei por um tempo em uma cidade no interior do Chile e precisei fazer um exame de sangue. Eu tinha acabado de chegar na cidade e busquei, no celular, o laboratório mais próximo. Ele me indicou um hospital que ficava a menos de um quilômetro de onde eu estava. Melhor, impossível.
Dá pra ir a pé.
A única coisa que o mapa “esqueceu” de avisar foi que era menos de um quilômetro morro acima. Era morro pra caramba. Em jejum, fui subindo, subindo, subindo e cada novo passo era um lembrete de não confiar mais em mapas e começar a entrar em táxis.
Acontece que a culpa não é do mapa; a culpa foi minha. Eu devia saber que o mapa não é o território. Ter em mãos um mapa do trajeto desconhecido é uma ilusão de controle. Se a gente não conhece o caminho, estamos abertos a qualquer coisa que ele nos apresente: um morro, uma ponte, um rio que vai nos obrigar a dar uma volta imensa, um longo túnel sem sinal de internet, um trecho inóspito e inseguro.
O mapa aponta a direção, mas não nos orienta a cada detalhe. Afinal, se esse fosse seu objetivo, ele não seria sequer em escala, mas em tamanho real. Vai saber se daqui a dois metros não existe um obstáculo intransponível…
Como você pode prever, mapas em tamanho reais são impossíveis – e bem inúteis, já que o território é o tamanho real do mapa. É a ele que devemos nos ater. O mapa é um bom ponto de partida, mas ele não aponta, necessariamente, para a linha de chegada. É apenas um mapa.
E, como todo mapa, pode ser ignorado quando a informação que ele te dá e o que você vê à frente não estão em pé de igualdade. E é aí que entra aquela frase do livro de Guimarães Rosa.
Coragem para entender o mapa e desbravar o território
É possível que, do berçário até aqui, seu mapa não tenha sido seguido a rigor. Talvez você não se formou aos 21 – ou se formou no curso errado, que não te faz feliz. Se tiver feito um milhão antes dos 30, formado família aos 35 e estiver entrando nos 40 pensando em se mudar para as ilhas Fiji, não sei nem por onde começar a te rotular como exceção à regra.
Esse mapa era muito comum, também, na época dos nossos pais – tirando a parte da aposentadoria ao 40, já que eles, e as gerações anteriores, queriam mesmo era ficar na mesma empresa por 40 anos e se orgulhar de trabalhar mesmo depois do tempo.
A pergunta é: se todo mundo tem um mapa padronizado, por que nem todo mundo chega onde esse mapa dá?
Simples: existem milhões de territórios dentro desse mapa-padrão e a maioria deles não passa de uma leitura errada de escala.
Desbravar o trajeto requer coragem porque é no trajeto que a gente percebe o óbvio: o mapa não é o território, e isso dói. Não adianta querer de todo coração que você consiga o que quer, pois esse sentimento, sozinho, não é capaz de produzir efeito.
O mapa da sua vida pode estar repleto de obstáculos, morros íngremes, rios intransponíveis, e pode também ter um ou outro atalho para te ajudar na jornada. Para tirar o máximo proveito dele, a regra é clara: a coragem de olhar adiante, não ver nada e, ainda assim, seguir em frente.
A vida é um momentum instável. Não há nada de errado em estabelecer pontos-guia na jornada, mas ignorar que os momentos difíceis virão é uma das formas mais eficientes de fracassar. Esperar por dias melhores, por bons territórios, faz parte do nosso instinto de sobrevivência. Mas, para que sobrevivamos, é importante estarmos preparados para o que der e vier.
Coragem é o ingrediente primário dessa preparação; sem ela, nos movemos pouco. O medo do desconhecido é uma garantia que não vamos pular no penhasco só porque o mapa disse que aquele é o caminho mais curto. Temos medo porque temos coragem, e temos coragem porque temos medo. Essa dança não pode ser exclusiva – ou seja, a coragem não significa ausência de medo, nem o medo significa a ausência de coragem.
Aliás, coragem é também uma forma de se mostrar vulnerável; é não saber se você vai perder ou ganhar, mas sentir no seu âmago a necessidade de buscar descobrir.
Em O Mágico de Oz, o Leão Covarde busca o mago para que lhe dê coragem. É só isso que ele pede. Afinal, como pode um leão ser tão covarde e ter tanto medo de tudo, quando deveria ocupar seu posto como o rei da floresta?
Ao se deparar com o guardião de sua vontade, o Leão tem uma surpresa. O mago lhe diz: “não existe criatura viva que não sinta medo quando se vê diante do perigo. A verdadeira coragem consiste em enfrentar o perigo mesmo com medo, e esse tipo de coragem você tem de sobra”.
Em busca de fomentar sua coragem, não procure parar de sentir medo, mas parar de se ligar ao mapa como se ele fosse o território. Ser uma pessoa corajosa significa muito mais do que enfrentar gigantes ou ficar na linha de frente de batalhas. Às vezes, significa apenas olhar para o seu mapa, enfrentar a dura realidade do “não está fácil” e saber que, se você parar por aqui, vai continuar não estando fácil.
Seguir é um ato de coragem – e o caminho quem aponta não é o seu mapa, mas você.
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Ótimo artigo!